Intolerância e violência da peça seguem atuais
Em épocas em que o Estatuto da Família é aprovado por uma comissão da Câmara dos Deputados, restringindo a família como a união entre homem e mulher, levar ao palco as relações homoafetivas e as consequências geradas pelo preconceito se torna fundamental. A peça Os Homens do Triângulo Rosa, da Cia Teatro ao Quadrado, discute essas questões com clareza e sensibilidade ao mostrar a perseguição do Terceiro Reich aos homossexuais.
O nome do espetáculo se refere ao sistema estabelecido nos campos de concentração nazistas, em que o uniforme de cada prisioneiro levava costurado um triângulo colorido indicando a acusação que o tinha levado à detenção. Por exemplo, triângulo vermelho era para prisioneiros políticos, roxo, para as Testemunhas de Jeová, preto, para os antissociais. A cor rosa era destinada aos homossexuais – considerados a escala mais baixa que se poderia ocupar naquele lugar.
A dramaturgia foi construída basicamente a partir da peça Bent, do dramaturgo norte-americano Martin Sherman, estreada em 1979. O texto ganhou uma versão para o cinema em 1997, protagonizada por Clive Owen. Na montagem Os Homens do Triângulo Rosa, a história gira em torno de um homem chamado Max (interpretado por Marcelo Ádams). Enviado a um campo de concentração, ele suborna guardas e troca o triângulo rosa pela estrela amarela dos judeus. Durante a prisão, ele conhece Horst (vivido por Frederico Vasques), um homossexual assumido, que traz no uniforme o triângulo rosa. Como parte das estratégias de desmoralização dos prisioneiros, os dois são obrigados a carregarem pedras de um lado para o outro, durante 12 horas, sem objetivo algum. Aos poucos, o relacionamento entre os dois vai se aprofundando, ainda que sejam constantemente vigiados pelos guardas.
O intervalo entre o vaivém das pedras rende uma das melhores cenas da montagem, que emociona mesmo àqueles que já a tenham visto no filme Bent. Os dois prisioneiros, apesar da vigilância e proibidos de se tocarem, fazem amor por meio de palavras no período de descanso, em que são obrigados a ficarem lado a lado, sem se mexerem. A luz (assinada por Maurício Moura) e a interpretação de Ádams e Vasques constroem uma cena delicada, forte e libertadora, em que o amor derrota a barbárie. Outra cena que chama a atenção ocorre ao final dos 100 minutos de espetáculo, quando Horst, antes de se lançar à morte certa, endereça a Max um gesto de despedida que eles sabiam significar “eu te amo”. Ambas as passagens atualizam a perseguição contra os gays, já que em pleno século XXI, dependendo dos costumes do lugar ou de quem detém o poder, os homossexuais correm risco de violência ao se tocarem ou expressarem afeto. Muitas vezes, é preciso negar sua orientação sexual para sobreviver, como faz o protagonista de Os Homens do Triângulo Rosa. Ao final, Max não encontra mais sentido em continuar sendo o que não é, e a peça se encaminha para um final com grande impacto visual e emocional.
A encenação proposta pela diretora Margarida Peixoto aposta em estruturas mais convencionais. A peça divide-se em dois atos, separados pela passagem do tempo. A primeira parte mostra a situação de Max e seus amigos antes de serem internados no campo de concentração. A intenção é retratar como era a vida em Berlim nos anos 1930, então com relativa tolerância às preferências sexuais, já que até líderes nazistas eram homossexuais. Doses exageradas de humor, entretanto, acabam enfraquecendo a encenação, ainda que o bailarino, interpretado por Gustavo Susin, esteja muito bem elaborado. O segundo ato se desenrola já no local de extermínio. A troca de atos, que marcam uma transformação radical para Max, é a chance para Marcelo Ádams trocar a desinibição pela contenção, a autossuficiência do bon-vivant pelo dia a dia sem esperança de um prisioneiro, adensando seu personagem à medida que a trama avança. A atuação valeu a ele o prêmio de Melhor Ator do Prêmio Braskem Em Cena 2015.
A direção segue a cartilha brechtiana para lidar com a trilha sonora. A música contextualiza o período histórico e político mas também serve para distanciar o público nos momentos de maior tensão emocional, estimulando a reflexão. Em cena está a pianista Elda Pires, que executa as canções interpretadas pela atriz Gisela Habeyche no papel de um travesti dono de um clube noturno em Berlim. As letras são escritas por Ádams sobre melodias de Kurt Weill. O cenário, criado por Yara Balboni, propõe poucos mas eficientes elementos. No primeiro ato, um imenso painel com desenhos de saudação nazista; no segundo, uma cerca eletrificada ao fundo do palco do Teatro Renascença. As coxias também foram usadas como elementos cenográficos, funcionando como os postos de vigilância dos guardas.
A Cia ao Quadrado acerta a mão quando traz à tona esse tema e essa peça. Além de um libelo contra a violência e a intolerância, Os Homens do Triângulo Rosa é, antes de tudo, uma história de amor. A opção por preservar a narrativa mais direta faz com que atinja vários tipos públicos, ampliando um debate tão necessário.
Próxima crítica a ser postada: A Vida Dele
OS HOMENS DO TRIÂNGULO ROSA
Direção: Margarida Peixoto
Dramaturgia: adaptação das obras Bent, de Martin Sherman; Triângulo Rosa: Um Homossexual no Campo de Concentração Nazista, de Jean-Luc Schwab e Rudolf Brazda; e Eu, Pierre Seel, deportado homossexual, de Pierre Seel
Elenco: Marcelo Ádams, Frederico Vasques, Gustavo Susin, Gisela Habeyche, Alex Limberger, Pedro Delgado e Edgar Rosa
Instrumentista: Elda Pires
Preparação corporal: Angela Spiazzi
Figurino: Antônio Rabadan
Cenografia: Yara Balboni
Trilha sonora: letras de Marcelo Ádams sobre música de Kurt Weill
Iluminação: Maurício Moura
Operação de iluminação: Wagner Duarte
Maquiagem: Margarida Peixoto
Fotos: Luciane Pires Ferreira
Duração: 100 min
Recomendação etária: 14 anos